22.9.11

O sotaque das mineiras



O sotaque das mineiras (Felipe Peixoto Braga Neto)


O sotaque das mineiras deveria ser ilegal, imoral ou engordar...
Afinal, se tudo que é bom tem um desses horríveis efeitos colaterais, 
como é que o falar, sensual e lindo das moças de Minas ficou de fora?

Porque, Deus, que sotaque! Mineira devia nascer com tarja preta avisando: 
'ouvi-la faz mal à saúde'. Se uma mineira, falando mansinho,  me pedir para assinar um contrato doando tudo que tenho, sou capaz de perguntar: 'só isso?'. Assino, achando que ela me faz um favor.

Eu sou suspeitíssimo. Confesso: esse sotaque me desarma.
Certa vez quase propus casamento a uma menina que me ligou por engano, 
só pelo sotaque.

Os mineiros têm um ódio mortal das palavras completas. Preferem, sabe-se lá por que, abandoná-las no meio do caminho. Não dizem: pode parar, dizem: 'pó parar'. Não dizem: onde eu estou?,  dizem: 'onde queu tô?' Os não-mineiros, ignorantes nas coisas de Minas, supõem, precipitada e levianamente, que os mineiros vivem - lingüisticamente falando - apenas de uais, trens e sôs.

Digo-lhes que não. Mineiro não fala que o sujeito é competente em tal ou qual atividade. Fala que ele é bom de serviço. Pouco importa que seja um juiz, um jogador de futebol ou um ator de filme pornô. Se der no couro - metaforicamente falando, claro - ele é bom de serviço. Faz sentido....

Mineiras não usam o famosíssimo tudo bem. Sempre que duas mineiras se encontram, uma delas há de perguntar pra outra: 'cê tá boa?' Para mim, isso é pleonasmo. Perguntar para uma mineira se ela tá boa é desnecessário...

Há outras. Vamos supor que você esteja tendo um caso com uma mulher casada. Um amigo seu, se for mineiro, vai chegar e dizer: _ Mexe com isso não, sô (leia-se: sai dessa, é fria, etc). O verbo 'mexer', para os mineiros, tem os mais amplos significados.  Quer dizer, por exemplo, trabalhar. Se lhe perguntarem com o que você mexe, não fique ofendido. Querem saber o seu ofício.

Os mineiros também não gostam do verbo conseguir. Aqui ninguém consegue nada. Você não dá conta. Sôcê (se você) acha que não vai chegar a tempo, você liga e diz: 

'- Aqui, não vou dar conta de chegar na hora, não, sô.'

Esse 'aqui' é outra delícia que só tem aqui. É antecedente obrigatório, sob pena de punição pública, de qualquer frase. É mais usada, no entanto,  quando você quer falar e não estão lhe dando muita atenção: é uma forma de dizer 'olá, me escutem, por favor'. É a última instância antes de jogar um pão de queijo na cabeça do interlocutor.

Mineiras não dizem 'apaixonado por'. Dizem, sabe-se lá por que, 'apaixonado com'. Soa engraçado aos ouvidos forasteiros. Ouve-se a toda hora: 'Ah, eu apaixonei com ele...' Ou: 'sou doida com ele' (ele, no caso, pode ser você, um carro, um cachorro)...

Eu preciso avisar à língua portuguesa que gosto muito dela, mas prefiro, com todo respeito, a mineira. Nada pessoal. Aqui certas regras não entram. 

São barradas pelas 20 montanhas.

Por exemplo: em Minas, se você quiser falar que precisa ir a um lugar, vai dizer: 

- 'Eu preciso de ir..' Onde os mineiros arrumaram esse 'de', aí no meio, é uma boa pergunta...  Só não me perguntem! Mas que ele existe, existe. Asseguro que sim, com escritura lavrada em cartório.

No supermercado, o mineiro não faz muitas compras, ele compra um tanto de coisa... O supermercado não estará lotado, ele terá um tanto de gente. 

Se a fila do caixa não anda, é porque está agarrando lá na frente.
Entendeu? Agarrar é agarrar, ora!

Se, saindo do supermercado, a mineirinha vir um mendigo e ficar com pena,
suspirará: '- Ai, gente, que dó.'

É provável que a essa altura o leitor já esteja apaixonado pelas mineiras... 

Não vem caçar confusão pro meu lado! Porque, devo dizer, mineiro não arruma briga, mineiro 'caça confusão'. Se você quiser dizer que tal sujeito é arruaceiro, é melhor falar, para se fazer entendido, que ele 'vive caçando confusão'.

Ah, e tem o 'Capaz...' Se você propõe algo a uma mineira, ela diz: 'capaz' !!! 

Vocês já ouviram esse 'capaz'? É lindo. Quer dizer o quê? 
Sei lá, quer dizer 'cê acha que eu faço isso'!? Com algumas toneladas de ironia. Se você ameaçar casar com a Gisele Bundchen, ela dirá: 'ô dó dôcê'. Entendeu? Não? Deixa para lá.

É parecido com o 'nem...' . Já ouviu o 'nem...'? Completo ele fica: '- Ah, nem....'    O que significa? Significa, amigo leitor, que a mineira que o pronunciou não fará o que você propôs de jeito nenhum. Mas de jeito nenhum. Você diz: 'Meu amor, cê anima de comer um tropeiro no Mineirão?'. Resposta: 'nem....' Ainda não entendeu? Uai, nem é nem. Leitor, você é meio burrinho ou é impressão?

Preciso confessar algo: minha inclinação é para perdoar, com louvor, os deslizes vocabulares das mineiras. Aliás, deslizes nada. Só porque aqui a língua é outra,
não quer dizer que a oficial esteja com a razão.

Se você, em conversa, falar: 'Ah, fui lá comprar umas coisas....' ' _Que' s coisa?' - ela retrucará... O plural dá um pulo. Sai das coisas e vai para o 'que'!

Ouvi de uma menina culta um 'pelas metade', no lugar de 'pela metade'.
E se você acusar injustamente uma mineira, ela, chorosa, confidenciará: - Ele pôs a culpa 'ni mim'.

A conjugação dos verbos tem lá seus mistérios, em Minas... Ontem, uma senhora docemente me consolou: 'preocupa não, bobo!'.
E meus ouvidos, já acostumados às ingênuas conjugações mineiras 
nem se espantam. Talvez se espantassem se ouvissem um: 'não se preocupe', ou algo assim. Fórmula mineira é sintética e diz tudo.

Até o tchau, em Minas, é personalizado. Ninguém diz tchau, pura e simplesmente. Aqui se diz: 'tchau pro cê', 'tchau pro cês'. É útil deixar claro o destinatário do tchau....

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